segunda-feira, 21 de março de 2011

SANGUESSUGAS


Parem com as buzinas dos automóveis. Os faróis acesos queimando os olhos na estrada. O calor do asfalto. O som dos ônibus inquietos. A insônia das motocicletas e dos interfones. Esta fumaça, este ranço, as vírgulas, desliguem! Por favor, alcancem-me as reticências e o ponto final. Deem-me silêncio, espasmo, intervalo. Joguem sobre mim a quietude, a imensidão do vácuo existencial. Quero ouvidos moucos para o tagarelar desenfreado das caturritas humanas. Calem-se! Sumam todos! Alcem voo pra bem longe. Deixem-me existir no espaço entre as falas, naquele momento da inspiração, antes que cuspam novos verbos. Deixem-me residir no silêncio das palavras. Naquele instante antes dos aplausos. No exato momento em que, ao piscar, os olhos estão fechados. Ali, por favor, ali! Residente e domiciliado na folga da realidade. Quando se desiste de brincar, quando o sono vence, quando o amor hesita. Longe do que preenche. Estou exausto. Não aguento mais ter consciência coletiva. Me larguem. Quero bastar sozinho. Deixem-me! Sumam com as verdades verborrágicas e imbecis dos discursos vazios ou cheios que proferem. Produtores de lixo. Exploradores. Enlatados.
Obs.:
O quadro que compõe esta postagem é da pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954).

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