domingo, 31 de outubro de 2010

BOA SORTE DILMA!

Falta pouco para que Dilma Vana Rousseff torne-se a primeira mulher a eleger-se Presidente do Brasil. Como este BLOG também é um diário, um registro das coisas que, para mim, são importantes, fica esta postagem como homenagem a ela, com o desejo sincero de que faça um governo justo, humano e que trabalhe para tornar a vida de todos os brasileiros mais digna.

Boa sorte Dilma!

"Se eu sou uma mulher dura? Sim, é verdade: eu sou uma mulher dura cercada de homens meigos."

Dilma Rousseff, sobre o preconceito contra mulheres na política.

sábado, 30 de outubro de 2010

DA SÉRIE: PORTUGUEZES (PARTE UM)



Para os amigos que me conhecem, é comum volta e meia eu corrigir placas nas ruas, notícias de jornais, revistas, etc. Então hoje resolvi criar uma série de postagens onde vou registar um pouco das pérolas que encontro por aí.

Claro que não vou conseguir registrar tudo, mas sempre que puder vou compartilhar umas joias aqui com vocês. PORTUGUEZES não surge como uma pretensão arrogante da minha parte em corrigir as pessoas gratuitamente: reconheço que também tenho as minhas dificuldades com o português e cometo vários erros.

Entendam PORTUGUEZES como uma espécie de homenagem às pessoas que criam novas formas de escrever e, muitas vezes, o resultado disso é até mesmo mais interessante do que o "correto". Mas também como uma crítica aos que descuidam em demasia do português e cometem erros difíceis de digerir.

É o caso do Unibanco Arteplex que, na sinopse de Comer, Rezar e Amar, presenteou-nos com um "ainda sim", ao invés de "ainda assim". Isso é ou não é bom? Depois, deu uma vacilada na digitação criando quase que um duplo sentindo com "Gilbert said". Por fim, colocou um "e" entre vírgulas definitivamente incompreensível.


Fonte: Unibanco Arteplex - Programação de 29 de outubro a 4 de novembro de 2010.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O SILÊNCIO É UM PRIVILÉGIO



As lacunas não estão ali como vãos nulos. São intervalos, espaços recheados de muito mais do que se poderia registrar. Assim são os nossos brancos criativos. Assim são os silêncios. Assim é a saudade. Sou refém dessas intermitências.

Quando me posto diante do computador para escrever sobre algo, ou para alguém, e de repente não consigo, sei que isso não é ruim. Não falar não é sinônimo de não ter o que dizer. A verborragia não diz nada, a gente sabe.

Já tenho em mim um breque inconsciente. Quando começo a falar demais eu sei: estou perdendo o sentido. Talvez por isso eu goste tanto de fotografias. Elas revelam um instante que, parado e mudo, diz. E que bonito é dizer sem falar. Compartilhar o silêncio com naturalidade é, sem dúvida, a maior expressão de uma intimidade mútua. 


Em tempos acelerados, cheios de redes sociais capazes de comportar quaisquer expressões verbais em poucos ou muitos caracteres, o que vem restando em mim são as imagens, os movimentos corporais, os cheiros das coisas. Palavras são quadradas demais ou – talvez melhor – são enquadradas demais. Tu, que agora me lês, onde estás colocando isso? Em mim ou em ti? Agora, olhe para as imagens que compõem esta postagem. Para onde elas vão?

Rubem Alves, que me foi enviado por uma amiga no exato momento em que eu colocava o ponto de interrogação da frase acima, diz:

"O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: ‘Se eu fosse você’. A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção."

Hoje pensei muito no silêncio: o silêncio é um privilégio.

Por fim, compartilho com vocês o trailer de um belíssimo filme uruguaio que vi no domingo. Chama-se "El cuarto de Leo", vejam:


A foto lá de cima foi tirada por Andy Warhol e a segunda por David LaChapelle.

sábado, 23 de outubro de 2010

É CRUA A VIDA

Há um tempo atrás coloquei aqui no BLOG um conto, que é um dos meus prediletos: Dama da Noite, do Caio Fernando Abreu. Hoje compartilho com vocês um dos meus poemas prediletos que, casualmente, é de uma amiga do Caio, a saudosa e incrível Hilda Hilst.

O poema chama-se Alcoólicas e sempre que o leio sinto um impulso, uma vontade de ler em voz alta, de recitá-lo. Espero que gostem.


Alcoólicas

É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A Vida é líquida.

(Alcoólicas - I)

* * *

Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d'água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento
Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é líquida.

(Alcoólicas - II)

* * *

E bebendo, Vida, recusamos o sólido
O nodoso, a friez-armadilha
De algum rosto sóbrio, certa voz
Que se amplia, certo olhar que condena
O nosso olhar gasoso: então, bebendo?
E respondemos lassas lérias letícias
O lusco das lagartixas, o lustrino
Das quilhas, barcas, gaivotas, drenos
E afasta-se de nós o sólido de fechado cenho.
Rejubilam-se nossas coronárias. Rejubilo-me
Na noite navegada, e rio, rio, e remendo
Meu casaco rosso tecido de açucena.
Se dedutiva e líquida, a Vida é plena.

(Alcoólicas - IV)

* * *

Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito
Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado
Salpicado de negro, de doçuras e iras.
Te amo, Líquida, descendo escorrida
Pela víscera, e assim esquecendo
Fomes
País
O riso solto
A dentadura etérea
Bola
Miséria.
Bebendo, Vida, invento casa, comida
E um Mais que se agiganta, um Mais
Conquistando um fulcro potente na garganta
Um látego, uma chama, um canto. Amo-me.
Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos
Quando não sou líquida.

(Alcoólicas - V)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

AS CARTAS


"(...) A questão das cartas é uma questão complexa em que o tempo tem tudo a ver e haver. É que entre o receber das cartas e o lê-las há, para mim, um hiato de angústia que não depende nem da natureza nem do conteúdo das cartas. É mais uma espécie de hesitação indefinida, uma quase vontade de não ler, de não tomar conhecimento, de dispensar a informação emocional ou meramente referencial que as cartas veiculam com o seu inevitável recuar no tempo, porque mesmo trazendo possíveis novidades ou informações até aí desconhecidas, as cartas chegam sempre depois...chegam sempre atrasadas...O hoje da recepção e da leitura vem sempre depois do hoje da escrita e do envio, que agora é já um ontem, e esses dois hojes, sendo desfazados no tempo, contêm a possibilidade quase certa e angustiante de aquilo que nas cartas se lê já não corresponder que está acontecendo. No amor esta dúvida, esta incerteza podem ser fatais...O hoje que leio é já um ontem do que foi escrito...É isso que me desagrada e ao mesmo tempo me atrai desagradavelmente...essa intromissão do passado que as cartas me trazem no presente que estou vivendo, enquanto fico sem nada saber do presente simultâneo de quem me escreveu. (...)"

(Trecho de "Carta-Ensaio" de E.M. de Melo e Castro. In: Galvão, Walnice Nogueira e Gotlib, Nádia. Prezado Senhor, Prezada Senhora: Estudos sobre Cartas. São Paulo, Cia. das Letras, 2000).

terça-feira, 19 de outubro de 2010

OS DESTROÇOS DE TEUS PLANOS



Hoje compartilho com vocês o belíssimo poema "Para além do Cabo Não", o segundo dos "Três poemas portugueses" de Eduardo Alves da Costa. A mim toca muito. Espero que gostem. A tela que compõe esta postagem (acima) é do artista plástico Fernando Karam, bajeense como eu. Nada mais perfeito para acompanhar este lindo poema.

Para Além do Cabo Não

Perdoa-me, paizinho, por eu
não ser o que tu querias.
Se estivesse em mim, juro
que interrompia o salto sobre o muro
deste meu fluir inconstante,
para que tuas mãos se pusessem calmas
e pudesses gozar tuas certezas.

Mas, se nem mesmo eu
estou certo da Beleza
e com ela trabalho, sem garantia,
vinte e quatro horas por dia!
Sei que meus sapatos estão gastos
e que não fica bem ao bacharel
este papel de saltimbanco.

Não está em mim evitar
o sorriso dos teus amigos,
pousados nos lábios
de retratos mortos; eles,
os que não sabem dos portos
a que minha alma vazia
vai buscar esses nadas
de que é feita a poesia.

Há os que têm filhos loucos,
tartamudos, pródigos, pernetas,
mas logo a ti sucedeu o triste fado
de um filho poeta.
Não há como explicar ao mundo
que não o podes manter nos cordéis,
como a sociedade faz a toda gente.

Se eu fosse gago, era só inventar
um susto na infância, um - sei lá -
um tombo, e as pessoas
logo se acostumavam.
Até os que desfalcam bancos
têm os seus motivos: afinal
lamber um monte de notas
acaba por dar em dissonância.
Mas este mal me vem da infância,
do colégio, algo assim
como brincar às escondidas
com o pênis
ou espreitar pelas frestas.

Juro, paizinho, que preferia
ter mantido em segredo
esta compulsão para o espanto.
Esta vertigem epiléptica
em direção ao vácuo.
Diriam: é um vagabundo,
tem lá suas manias, morreu-lhe
a mãe quando criança.
E tu deixavas cair uma lagriminha,
para que a pudessem ver as comadres,
os juízes, a vizinhança,
teus colegas de profissão
e os que, na rua, te
acenam com a mão e têm
sobre mim direitos de cobrança.

Enfim, está feito; já não se pode
evitar que o óvulo engendre este traste
que o mundo insiste em
atirar para um canto.
Só nos resta esperar à beira
do cais que os destroços
de teus planos me cheguem às mãos.

Se tiveres paciência,
ficamos os dois a beber
um caneco, sem mais intenções;
e te prometo fazer
de alguns barris sem fundo
e uns sacos de farinha
uma nau, como as dos velhos tempos,
em que teus antepassados,
tão sem medo, olhavam para o mundo
não com olhos de merceeiros
mas à espera do milagre
que apartasse o não do cabo Não;
e, para além do abismo previsível,
plantasse o sonho
- que é matéria
de que teu filho se compõe.

sábado, 16 de outubro de 2010

ENTRE CAETANOS E AMÉNS



No dia 02 de outubro, crendo na eleição de Dilma Rousseff ainda no primeiro turno, comemorei o fim dos ‘bom Dilmas’ e da onda verde.

Comemorei, equivocadamente, o fim dos ‘bom Dilmas’ por que eles não seriam mais necessários e sempre os considerei idiotas demais. Ora, bom Dilma.

Comemorei, equivocadamente, o fim da onda verde, por que a considerava uma ondinha sem importância. Jamais pensei que o Brasil tivesse 20 milhões de Caetanos Velosos capazes de acreditar que esse “fenômeno” seria algo diferente do que uma jogada da mídia para arrastar o tucano José Serra para o segundo turno.


Estou com vergonha dos meus equívocos. Não sei mais nada do Brasil. Não sei mais nada da política.

Agora estamos diante de um segundo turno feroz. Um vale tudo sanguinário onde a política está, de fato, mostrando sua cara. Nos últimos dias o que mais tem me incomodado é a mistura de religião com Estado. Por favor, está lá na Constituição Federal de 88: somos um Estado laico. Isso quer dizer que não temos religião oficial e, por óbvio, que cada um pode escolher a sua ou nenhuma, como lhe aprouver.


Claro, os candidatos querem os milhões de votos dos evangélicos que seguiram a Marina junto com os Caetanos, nossos amigos da onda verde. Mas, por favor, um pouco de sanidade não faz mal a ninguém. Aborto não é uma questão de religião, é saúde pública! Casamento entre pessoas do mesmo sexo é direito fundamental, é princípio, é isonomia. Do que eles estão falando afinal? Tudo é eleitoreiro, baixo, de difícil digestão.

Levantar essas questões somente colabora para a difusão dos preconceitos, acentua as discriminações, polariza a sociedade. Isso é típico de políticos como José Serra ou como Marina Silva. Essa segunda, da onda verde, queria tirar o corpo fora e colocar em plebiscito questões que são asseguradas pela Constituição, que são direitos fundamentais de todos nós cidadãos. Ora, plebiscito! Só os Caetanos mesmo para caírem nessa. Nós precisamos de políticos que reafirmem os direitos humanos e não que os coloque em votação. Agora vamos votar: a mulher deve ou não abortar? Por favor, Sra. Marina Silva! Não subestime a minha inteligência, eu sei aonde a senhora queria chegar com isso.


A mídia discípula dos tucanos está, agora, tentando de todas as formas fazer com que acreditemos em outras várias histórias. Onda verde, onda de fé, onda disso e daquilo. Sensível e belíssimo o artigo que rendeu a demissão de Maria Rita Kehl, sugiro inclusive que todos leiam, vale a pena entender o que está havendo com as classes sociais brasileiras. É uma reflexão em apertada síntese, mas muito bem feita. Vale, também, entender o que leva à Editora Abril, por exemplo, a apoiar à direita, historicamente. Reparem as vantagens que tem quando o governo é de um partido como o PSDB (clique aqui). Imaginem isso nacionalmente!

O BLOG é um espaço democrático e livre. A verdadeira liberdade de expressão se dá através de espaços como este. Há um universo imenso deles por aí que podem ser explorados, pena que nem todos os brasileiros – ainda – tenham acesso à Internet e acabem ficando reféns da televisão, de jornais ou rádios extremamente tendenciosos e confusos.

Boa sorte para nós no dia 31 de outubro.

DOIS PESOS

Maria Rita é a ganhadora do Prêmio Jabuti 2010 na categoria Educação, Psicologia e Psicanálise com livro O Tempo e o Cão, é psicanalista, ensaista e cronista.

Em entrevista ao Terra Magazine, no dia 07 de outubro, relatou:

Fui demitida pelo jornal o Estado de S. Paulo pelo que consideraram um “delito” de opinião (…) Como é que um jornal que anuncia estar sob censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?

Abaixo compartilho com vocês o artigo que causou sua demissão.


DOIS PESOS
Maria Rita Kehl

Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.

Se o povão das chamadas classes D e E – os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil – tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.

Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por “uma prima” do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.

Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da “esmolinha” é político e revela consciência de classe recém-adquirida.

O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de “acumulação primitiva de democracia”.

Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.

Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

RIO DE JANEIRO



Estou de volta à rotina. Passei uma semana no Rio de Janeiro entre chuva, frio, livros, vento, sol, caipiroska, cerveja, etc. O Rio, claro, continua cada vez mais lindo. Fui a lugares que ainda não tinha ido como, por exemplo, à Academia Brasileira de Letras e à Biblioteca Nacional (a maior da América Latina). Subi no Pão de Açucar no fim do dia, para ver a cidade se acender. Vi a Lilia Cabral no Teatro dos Quatro, na Gávea, com a peça Maria do Caritó. Fui ao Museu de Arte Contemporânea em Niterói e fiz questão de não ter hora para fazer essas coisas. Fiz questão de seguir o ritmo das minhas vontades.


Estou feliz de estar de volta a Porto Alegre. Feliz de amanhã voltar ao trabalho, lugar que me dá tanto prazer; de estar na minha casa. Aos poucos posso, de repente, ir contando algumas coisas da viagem aqui, postando algumas impressões que tive de alguns locais. Falar sobre os LPs que comprei, os livros que encontrei, os bares em que bebi. Ao poucos, bem aos poucos. 

domingo, 3 de outubro de 2010

QUE YO NUNCA HE HIPOTECADO AL ALMA MÍA!


Parao é uma música de Rubén Blades, que conheci na voz da saudosa Mercedes Sosa há muito tempo atrás. Hoje, após as eleições, ela voltou de repente a minha cabeça, querendo dizer algo sobre a vida, sobre as lutas, sobre tudo aquilo que a Mercedes sempre cantou de forma tão intensa e bonita.

Compartilho com vocês a letra de Parao:

Hay quien ve la luz al final de su tunel
Y construye un nuevo tunel, pa´ no ver,
Y se queda entre lo oscuro, y se consume,
Lamentando lo que nunca llegó a ser.
Yo no fui el mejor ejemplo y te lo admito,
Fácil es juzgar la noche al otro día;
Pero fui sincero, y éso sí lo grito,
Que yo nunca he hipotecado al alma mía!
Si yo he vivido parao, ay que me entierren parao;
Si pagué el precio que paga el que no vive arrodillao!
La vida me ha restregao, pero jamás me ha planchao.
En la buena y en la mala, voy con los dientes pelaos!
Sonriendo y de pie: siempre parao!

Las desgracias hacen fuerte al sentimiento
Si asimila cada golpe que ha aguantao.
La memoria se convierte en un sustento,
Celebrando cada rio que se ha cruzao.
Me pregunto, cómo puede creerse vivo,
El que existe pa´ culpar a los demás?
Que se calle y que se salga del camino,
Y que deje al resto del mundo caminar!
A mí me entierran parao.
Ay, que me entierren parao!
Ahí te dejo mi sonrisa y todo lo que me han quitao.
Lo que perdí no he llorao, si yo he vivido sobrao,
Dando gracias por las cosas
Que en la ruta me he encontrao.
Sumo y resto en carne propia,
De mi conciencia abrazao.
Parao! aunque me haya equivocao,

Aunque me hayan señalao,
Parao! en agua de luna mojao,
Disfrutando la memoria de los rios que he cruzao,
Aunque casi me haya ahogao, sigo parao!

Parao!

sábado, 2 de outubro de 2010

O FIM DO BOM DILMA E DA ONDA VERDE


Sempre gostei muito de política. Meu voto sempre foi destinado, com segurança e convicção, a políticos cujas trajetórias tinha para mim como imaculadas. Acho importantíssimo votar e, mais do que isso, saber em quem se está votando e para que se está votando. O que faz um Deputado Estadual exatamente? Qual o papel do Deputado Federal? E o Senador? Enfim, as pessoas não sabem as respostas para essas questões e, com isso, discutem política com uma galhardia de botequim.

Durante estas eleições de 2010 resolvi abster-me de debater política. Inevitável que – em alguns momentos – tive de emitir meu juízo de valor em relação a algumas boçalidades muito latentes. Mas, no geral, evitei sempre entrar em méritos ideológicos. As ideologias hoje em dias estão muito confusas para mim.

Isso tudo não quer dizer que eu desisti da política. Não! Eu tenho os meus candidatos. Mas, sinceramente, creio que não me interessa mais debater política com quem, por exemplo, me deseja “bom Dilma!” ou que, ingenuamente, vem para mim falando em uma tal “onda verde”. Eu não acho bonitinho desejar bom Dilma para alguém, acho isso ridículo, para não sujar meu BLOG com palavra mais feia. A tal onda verde, então, é uma ondinha construída pela mídia para haver segundo turno que, de verdade, não acredito que meus amigos mais próximos caiam nessa.


Tenho convicção plena, ainda, que algumas sanidades vão nos salvar dessa onda, e aí sim podemos falar em grande onda (seja da cor que for), de mediocridade intelectual pela qual estamos passando e que vem, consubstancialmente, rasgando as conquistas advindas da Constituinte. Estamos diante da eleição que marca 21 anos da reconquista do voto direto para Presidente da República, às vezes a história vem para – justamente – nos dar um tapa na cara e dizer, a la novela das nove: o que você vai fazer com o seu voto? Não reneguem a história, valorizem o dia 03 de outubro como sendo uma conquista que, indiscutivelmente, faz parte de um reconhecimento à dignidade da pessoa humana.