quarta-feira, 20 de outubro de 2010

AS CARTAS


"(...) A questão das cartas é uma questão complexa em que o tempo tem tudo a ver e haver. É que entre o receber das cartas e o lê-las há, para mim, um hiato de angústia que não depende nem da natureza nem do conteúdo das cartas. É mais uma espécie de hesitação indefinida, uma quase vontade de não ler, de não tomar conhecimento, de dispensar a informação emocional ou meramente referencial que as cartas veiculam com o seu inevitável recuar no tempo, porque mesmo trazendo possíveis novidades ou informações até aí desconhecidas, as cartas chegam sempre depois...chegam sempre atrasadas...O hoje da recepção e da leitura vem sempre depois do hoje da escrita e do envio, que agora é já um ontem, e esses dois hojes, sendo desfazados no tempo, contêm a possibilidade quase certa e angustiante de aquilo que nas cartas se lê já não corresponder que está acontecendo. No amor esta dúvida, esta incerteza podem ser fatais...O hoje que leio é já um ontem do que foi escrito...É isso que me desagrada e ao mesmo tempo me atrai desagradavelmente...essa intromissão do passado que as cartas me trazem no presente que estou vivendo, enquanto fico sem nada saber do presente simultâneo de quem me escreveu. (...)"

(Trecho de "Carta-Ensaio" de E.M. de Melo e Castro. In: Galvão, Walnice Nogueira e Gotlib, Nádia. Prezado Senhor, Prezada Senhora: Estudos sobre Cartas. São Paulo, Cia. das Letras, 2000).

2 comentários:

  1. Tem o outro extremo: o cheiro da saudade, dos momentos bons. O amor é tolerante, mais que a paixão... muito mais! Atemporal!
    Abraço

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  2. "Todas as cartas de amor são ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor! E como as outras - ridículas. Cartas de amor se tem amor tem de ser ridículas. Quem me dera no tempo em que escrevia sem dar por isso cartas de amor ridículas.Afinal só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são: ridículas!" Fernando Pessoa.

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