Muito se produz sobre o nosso tempo. A ciência, as artes. Tudo fala muito sobre o nosso tempo, sobre as relações interpessoais e individuais.
Eu não sou a ciência e nem tenho a ciência do meu lado. Eu não sou um artista e nem ando com a arte lado a lado. Sou um cara comum, alguém que só quer fazer os troços direito (para mim e para os outros).
Em setembro, Maria Bethânia veio a Porto Alegre com uma peça de teatro em que recitava poemas. Diversos poemas. Recitou clássicos de Fernando Pessoa, poemas lindos do Arnaldo Antunes, trechos de Guimarães Rosa e outros tantos a mim desconhecidos. Um espetáculo que destacava a delicadeza. É isso: a delicadeza. A própria, ao encerrar a peça, mencionou algo sobre isso, sobre essa característica do espetáculo.
Claro, eu me comovi muitíssimo, não somente por que adoro Maria Bethânia, mas também por que a delicadeza me comove. E eis um tempo (reflitam comigo), que de tão avançado e moderno, deixou completamente de lado a gentileza humana. O agrado, sabe? A palavra que existe para acarinhar, para elogiar.
O que está acontecendo com as pessoas que, de repente, confundem delicadeza com desejo? Ou, ainda, gentileza com frescura? Que tempo estranho este que de tão virtual, desvirtuou uma peça dentro da gente. Uma peça, um botão, uma ligação biológica que, antigamente, era capaz do que hoje não se vê mais.
Há tempos não escrevia no meu BLOG. Há tempos não tinha muita vontade disso. Hoje, de repente, me entusiasmou a ideia de partilhar sobre esse tema. Principalmente por que é importante, para mim, que a gente pense sobre isso. Que a gente não confunda as bolas. Que a gente se permita ser minimamente altruísta. Cutucar no Facebook uma pessoa não é o mesmo que lhe dizer sobre os seus olhos. E falar sobre os seus olhos não é desejo, não é fantasia, é reconhecer um olhar, é valorizar um encontro, é prestigiar um amigo com um poema que fale de um sentimento surgido em decorrência do seu olhar. Dizer das estrelas e dos planetas e dar graças à vida e a um encontro determinado. Isso não pode ser clichê. Desculpem, isso não pode ser clichê.
Como as pessoas são pequenas e bobas hoje em dia ou, na melhor hipótese, super pretensiosas em pensar que um elogio é sinônimo de um interesse raso ou físico. É interesse, claro, mas pela partilha, pela troca, pela alma, pelo outro inteiro.
Tenho percebido que o nosso tempo é um tempo de redução. De reduzir as coisas a uma sede qualquer. Uma carência coletiva e estranha, mascarada do tradicional “eu me basto”, já tão comum em pessoas cada vez mais jovens.
A sociedade atualmente não reduz apenas, deliberadamente, estômagos por aí. Reduz o sentimento alheio. Reduz o outro. Talvez eu não saiba explicar o que quero dizer... Mas quando eu olho nos olhos de uma pessoa e digo tão somente “obrigado!”, por exemplo, por uma pequena coisa, o resultado energético e físico disso é evidente e me parece que não deveria ser tanto. Há, em certa medida, um estranhamento com relação à gentileza.
Olhar para um amigo e agradecer. Assim mesmo: agradecer! Identificar um momento bom e verbalizar isso. As pessoas acham que não precisam dizer e acabam nunca dizendo. Com isso, fica o meu comigo e o teu contigo e vamos embora, vamos seguindo em frente. Eu, com o que eu acho que tu sabes. Tu, com o que tu achas que eu sei.
Exercitar a gentileza, dar espaço à delicadeza, faz mal para quem? Super equivocados estão aqueles que pensam que elogiar o outro lhe diminui. Lamento muito pelos bobos e pretensiosos de plantão, que perdem tanto em não estender a mão.
Todo o sentimento, de Chico Buarque: