sábado, 13 de novembro de 2010

UM CONTO

Ontem à noite, na estrada, de Porto Alegre para o Cassino, escrevi o meu primeiro conto. Minha primeira ficção. Já havia, em outros momentos, tentado escrever uma estória. Mas meus contos nunca tinham fim, nunca ficavam minimamente completos. Engraçado que este nasceu assim: escrito a lápis, dentro do ônibus, na coxa, com uma iluminação meio ruim e nas folhas que tinha alí, dentro da mochila. Vai saber. Compartilho com vocês e espero que gostem, dando a mim os descontos cabíveis, claro:


JUSTO E AMÉRICA

- Posso entrar?

- Não.

- Já entrei.

- Não é novidade você passar dos limites América.

- Justo, por favor. Eu só queria...

- Não América, quem quer agora é o sol.

- Eu sei que você...

- América, o sol, por favor.

(12 minutos depois)

- Ele já se pôs Justo, posso falar uma coisa?

- Sabe América, talvez este seja o motivo do meu isolamento nos últimos tempos. Você me conhece tanto que sinto vontade de contar para alguém que amo o pôr-do-sol, contar das minhas impressões sobre a velocidade com que ele parte pra Tóquio deixando Porto Alegre.

- Justo, não começa...

- Viu? Não começa? É isso América! Eu quero começar sim! Quero contar e não repetir as coisas. Você veio aqui, entrou no meu templo de um e meio por dois, cheia de tudo o que me farta, quando o que mais eu queria era beijar uma boca cheia de perguntas. Eu quero saliva nova América, eu quero descobrir. Sugar a baba de alguém e degustar como um vinho, tentando decifrar o novo sabor.

- Justo, às vezes...

- Não! Não tem às vezes nem nada disso. Depois de um tempo é foda América, porra. Depois de um tempo cadê a novidade? Quando você sair daqui, do meu templo, sei que você vai colocar aquele pijama esquisito de girafas e nuvens e tomar o seu copo de chá gelado light. Eu nunca entendi o seu pijama, aliás. Daí você vai apagar a luz do quarto, deitada na cama, esticando o corpo e alongando o braço esquerdo até o interruptor. Vai ligar a TV no Canal Brasil e, depois, com a mesma mão esquerda que apagou a luz vai tatear a cama procurando a minha mão. Vai encontrar e, daí, vai puxar meu corpo para te abraçar.

- Justo, você está...

- Não América. Você entrou no meu templo sem minha licença, agora aguenta no osso as minhas rusgas acumuladas. Nossa relação virou um fluxograma da DELL, entende? Um troço de louco isso e nem...

- Justo?! Você está vendo aquela estrela ali? (com a voz um tom acima da dele)

- Qual América? (de má vontade, em tom áspero)

- Ali ó... Assim, em diagonal com as três marias, está vendo? Alí!

- Aonde América? Que estrela?

- Me dá a palma da tua mão Justo. Assim ó. (ela ergue a mão dele em direção ao céu) Abre os dedos como se estivesse abanando pro céu. Não, não. Não abana! Fica com a mão parada. Entre este dedo e este: está vendo esta estrela?

- Sim. O que tem ela América?

- Eu só queria te mostrar uma novidade.

(ela sai da sacada do apartamento, fecha a porta de vidro para não entrar mosquitos na sala e vai correndo vestir seu pijama de girafas com nuvens)

3 comentários:

  1. Que lindo, Rodrigo. Claro, sensível... Mas, hein, tu foste para o Cassino?!

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  2. " Nossa relação virou um fluxograma da DELL, entende?"
    ADOROOOOOOOOOOOO...

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