quinta-feira, 18 de novembro de 2010

VAMOS EM FRENTE



Eu me movo quando algo me atormenta. Quando os fantasmas estão expurgados e estou solto cara a cara com o singelo, daí não vale. O jogo para mim tem que ser sujo com a vida. Baixo. Eu funciono assim, desse jeito. Meu carvão é o fogo dos infernos metafísicos. A todo o vapor, lá vou eu quando minha caçamba está cheia de lixo. Sou uma esponja das inquietudes humanas. Não vacilo, meu negócio é a dor.

Cravada no meu peito a faca é minha corda. Boneco de corda movido a facada. Sangra vida. Escorre pelo meu peito como um rio de humanidades duvidosas. Jorra a baba, um simulacro de líquido pastoso a que chamam angústia. Nossa. Eu me movo quando algo me cega. Corda. Rins. Vasto é o campo da escuridão.


Mas agora vamos falar sério, sem liberdades poéticas. Hoje estava lendo um artigo do Dr. César Augusto Baldi que, dentre algumas reflexões, tratava do racismo institucionalizado em algumas esferas do poder brasileiro, capazes de inferiorizar negros e índios em pleno ano 2010. Daí eu comecei a pensar sobre o racismo, sobre o sexismo, o colonialismo, o imperialismo... Ah, se hipocrisia pesasse, meus caros, na balança da farmácia, não ia ter Globo Repórter que abarcasse a explicação da obesidade no mundo. ‘Vamos em frente’, eu disse ao autor do artigo: às vezes o que nos resta é tão somente fazer a nossa parte. Como beija-flores, enchemos o bico de água e colocamos as gotas lá, no incêndio florestal que é a nossa sociedade.

Pura ilusão esta de que estamos evoluindo. O mundo pós-moderno regride de forma proporcional ao aumento de sua estupidez, que está mais nítida do que qualquer high-definition já inventada pelo homem.

Sim meus amigos, esta é uma postagem pessimista, fria, feia, suja. E é difícil ser diferente em um mundo onde pouco se respeita o que é realmente essencial. O estado de anomia está formado, não adianta nem tentar correr. Fuma teu cigarro e apaga na testa da pessoa ao lado. Chegamos ao ponto em que o trágico virou risível e, pior, nos conformamos absolutamente com tudo. Jackass já não tem mais graça, nossa vida é mais bizarra.

(As telas que compõem esta postagem são de Paul Cézanne.)

7 comentários:

  1. Às vezes é bom sermos pessimistas, dá uma "sacudida" na gente para que o beija-flor acorde.
    Beijo, beijo, beijo
    Adorei o texto!!!

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  2. Forte e perturbador, mas por ser real. Um abraço!

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  3. Realistas palavras, Rodrigo!

    Belo texto.. parabéns. PG

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  4. Angustiante... muito angustiante...embora eu tenha consciência da fala real do texto (aliás muito bem escrito) . Mas porque não brincar de "...faz de conta que..." e fazer o imaginário voar para um lugar melhor não tão obscuro e denso. É que , não sei porque, todos nós somos intolerantes com alguma coisa . Intolerantes ! Seja com a burrice, ignorância e estupidez de algumas pessoas e todos os "ismos" da vida. Ah! Viu! Acabei de descobrir que a intolerância está em todas as pessoas e em cada um de acordo com seus pesos e medidas. Será que isto faz parte do DNA humano?

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  5. É a robotização humana. Como dizia Foucault, os corpos são dóceis e são de fácil modelagem. O melhor é ser único, o melhor é ser ímpar, o melhor é sermos nós mesmos!

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  6. "Eu funciono assim, desse jeito. Meu carvão é o fogo dos infernos metafísicos. A todo o vapor, lá vou eu quando minha caçamba está cheia de lixo. Sou uma esponja das inquietudes humanas. Não vacilo, meu negócio é a dor."

    É quem é ou quem diz que é.

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  7. Sempre bem arranjadas, com muito humor, ainda que ácido, tuas palavras são como um espelho que reflete nossa imagem tal como é..pois, cada um de nós compomos esta sujeira.Sem exceção!Somos todos responsáveis pela sociedade cruel, hipócrita e excludente em que vivemos.Mas, embora grande admiradora de teu texto, sou do time dos otimistas!Creio no amor que ainda vive às escondidas entre uns e outros, que ainda brota de escombros, que faz renascer a cada instante a esperança de que viveremos dias melhores!
    Saudade tua!

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